Intocável

 

Foto de L. Gesell   •  Regensburg/Germany  - retirada do site Pixabay

teço

em finas e frágeis

linhas

meu discurso

poético

mas não tão poético assim

há nele um cansaço

uma insipidez 

uma náusea

uma desvontade 

e mesmo que eu recorra

ao verde lindo desta cidade

onde habito

e ainda que eu ache graça na graça 

de uma criança sorrindo

e que saia vagando pelas ruas

ouvindo falas matutas

seus saberes

suas cores

ainda que me aconteça o convite

da máquina do mundo

e que as ciências

me revelem

o grande segredo do tempo

ainda assim permanecerei

intocável

arredio a carinhos e galanteios

do que tudo é ao mesmo tempo do que já é


não vendo minha alma

nas esquinas políticas

panfleteada na internet

odeio a cada click

a linguística nauseabunda 

sofismável

ou repleta de conceitos 

que não sou obrigado a usá-los


torno-me a cada segundo eu mesmo

estou em mim

resguardado 

em diálogos profundos

falo-me 

ouço-me 

interpreto-me

interpelo-me


porém

ah, e este porém

tão sintético e perfeito

me faz uma pessoa simples

chinelos, calção rasgado no fundo

sem nada de prata nem ouro

nem mesmo as miçangas de Pablo Sepúlvedra

e porque ainda falo de coisas bobas

escuto músicas tolas

faço piadas sem graça

e compro pão na padaria mais próxima


e talvez,

 ah, e este talvez

sem perspectivas 

sem exatidão

talvez seja este talvez

o que mais me importa neste momento

poético ou não

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