Poema do ano que nunca esqueceremos

 


Foto: Pixabay

o relógio na parede

atordoa

os instantes

na sala

a ciranda de cadeiras

testemunha

pequenos encontros

daquela tarde

do último dia do ano

e no interior

do interior

do interior

do inteiro

átomo poético

o fato poético

dos acontecimentos poéticos

se interliga

em canais vitais

embrionando-se

para o parto

 

a partir desse momento

nada é mais estático

e pandemia é o vocábulo

de todas as lembranças

que se acampou

em toda semântica

 

a sala recheada de assentos

acentua o vazio

do ano infeliz de 2020

um retrato na parede do corredor

retrata a dor

de um rosto que se foi

a janela aberta na manhã

recebeu os feixes de luz de um sol

que fechou o ano

 

lá fora

a cada contacto

permanece intacto

o vírus

varando o tempo

varrendo espaços

virando os dias

devorando vidas

 

e dentro

bem dentro

de cada fato

de cada palavra

de cada pensamento

de cada memória

no íntimo de olhar-se

na busca de se encontrar

e buscar a si

comprimiremos o abdome

ergueremos os ombros

inflaremos os pulmões

e a cada etapa do tempo

respiraremos

 os instantes

porque respirar

tornou-se

categoricamente

viver


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