Coisas de um tempo de dor


Foto do site  O Globo em https://www.google.com.br

naquelas casas de taipa
deitados em fiangos armados
à luz de lamparinas fumacistas
o vulto insone de meu pai
escutava
roncos de sono
e de barrigas em fome
sonoplastia mórbida
das coisas
que ali aconteciam

naquele canto do mundo
eu ouvia
em acalantos
pelos lábios de minha mãe
histórias tristes
das coisas
que um dia aconteceriam

naquele sertão
nas cancelas
das terras de Sinhá
eu vi
 - menino sobralense -
miséria e abandono
fantasmas oitentistas
devoradores da dignidade
de sonhos
e das coisas
que talvez acontecessem

naquele tempo de Barretos
nos tempos de Zé pra Zé
de Mota e Figueiredo
todo o povo era gado
sobreviventes de bolsões
plateias de charangas
ouvintes de um discurso
das coisas
que nunca aconteceriam

naquela época
naqueles dias
sem poesia
eu via
eu sentia
coisas que aconteciam
e doíam








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