Muralhas do Brasil





A realidade vem a ti
com o frio do vidro no teu rosto...
meio sonâmbulo
quase moribundo
lança ciclopicamente
um olhar pela tela da janela
e lá fora
vês
uma gente quase humana
entre barulhos, lojas e egos.

Aquelas gentes são um pouco de ti.

Elas são um pouco de tua solidão;
a solidão dos trabalhadores
desenganados com a dignidade humana
desiludidos com sorrisos e promessas.

A elas falta a fé
como falta a ti também.
A fé que lhes foge do peito,
dos braços fortes...
uma fé que se desidolatra
um sonho que se pesadela
descendo ao mais profundo dos infernos...
uma muralha
que se desmorona com teu rosto colado ao travesseiro
toda noite
antes de dormir
e que é o mesmo rosto
todo dia
colado na janela do teu ônibus.

Não queres virar o rosto
para os que estão sentados ao teu lado
por que verás os mesmos rostos
de todo dia de todas as paradas
e vendo os mesmos rostos
assim verás o próprio.

Por enquanto
foges do mundo
e imagina-te um anjo
a sobrevoar a metrópole...
mas tuas asas pesam muito
e és obrigado a descer
e conviver com os moribundos
que perambulam de sacolas e celulares na mão.


Perdeste as asas.
Não sabes mais voar,
mas precisas ser rápido
e correr, correr, correr...

A próxima parada é a tua
e teu rosto ainda é o mesmo;
o frio é o mesmo
o barulho e as lojas são os mesmos
a vida, dentro e fora
é a mesma.
Teu rosto amassado na janela do ônibus
é a pintura que o artista ainda não fez
mas é poesia diária
dos intranquilos
poetas urbanos.

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