Menino cansado


(Este poema eu o escrevi por volta do ano de 1996, então eu tinha apenas 25 anos. Acabava de cursar 2 anos de Filosofia e, por isso, é possível perceber a influência racionalista nele. Não gosto muito, acho-o denso sem leveza poética. Gosto da imagem - a foto é mais bela que o texto, mas não me refiro à foto aqui - do menino correndo ao lado do trem; do paradoxo "todo mundo grita mas ninguém ouve ninguém". Gosto da ideia defendida no texto.)





(Foto do artista Gopal Patil que eu copiei do blog Posts a Beira Mar, cujo link é http://postsabeiramar.blogspot.com.br/2012/06/vem-ai-national-geographic-traveler.html)




Não sei se me entrego aos meus olhos cansados
e desafio os oradores nas assembléias
ou se continuo
mergulhado
nas palavras
inconscientes e transponíveis...

A violência do sarcasmo nos homens céticos
envelhece a sabedoria
e mortaliza a humanidade.
Os homens se perderam no paraíso
e amedrontam-se
uns aos outros
com verdades fatais;
procuram entre si
a inquietude cética
e se arremessam ao nada.

Do sorriso neurótico
às frases desordenadas
fechadas,
telepáticas,
está o homem do nada
nascido
no trampolim da “pós-modernidade”.

Não somos mais a chama perpétua
dos santuários
nem alertamos heróis e sábios;
não somos mais oráculos
do homem, do mundo, de Deus.

Somos transeuntes sem alma
de decisões ensimesmadas
mergulhados
no poço do orgulho.

Há quem diga
que a ave de rapina voa
rasgando o céu
livre e resoluta.
A humanidade se esqueceu das asas
e se abriga
em naves de controle inacessível.
Perdeu-se o senso do paraíso
e, agora, andamos todos vestidos.
A nudez é para os sábios,
mas os sábios estão em extinção.
Extinguem-se o simples,
o afeto
a natureza,
o feminino.
Desaparece o pensamento.

Vida cansada...
cansada gente
que aparece e desaparece
nas calçadas largas das lojas
feito imagens, miragens, alucinações...
Pensamentos vazios,
comportamentos vadios
de vadios meninos
que correm inúteis ao lado do trem.
Há vagas para os que ainda sonham,
e estes serão os pensadores de amanhã;
há vagas para os que ainda crêem,
e estes serão os lutadores de amanhã.

Minha vista está cansada
como toda a gente sofrida
que não tem espaço nas assembléias.
Mergulho, pois,
nas minhas palavras
inconscientes ou não,
transponíveis e verdadeiras.

Gostaria tanto de gritar...
mas o mundo todo grita
e ninguém ouve ninguém...
o meu grito se perde na multidão
e os que me ouvem
me colocam nos “porões” da razão.

Gostaria tanto de brincar...
feito menino que corre ao lado do trem...
mas me fiz lúcido das imagens
e sei que não alcanço o trem.
Perdi a idade dos sonhos,
alcancei a razão,
parei de correr...
estou no trem...

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