epíscopo



O poema "epíscopo" eu o escrevi em julho de 2002. Morava em Sobral. Falo de umas janelas feias e sujas do apartamento o que não corresponde ao de hoje, na linda Meruoca. Também não corresponde o trecho "meus trinta anos...",  já que estou às vesperas de completar meus 40 anos. Mas há uma coisa que continua desde 2002... o meu olhar... episcopal.


Tantas vezes quis
atravessar a noite
no pisar macio dos gatos...
encontro-me, no entanto,
trepado neste apartamento
de duas janelas feias e sujas.
É a feiúra da sujeira
para despertar
as mentes adormecidas.
Vagar por essas ruas
às vezes sóbrio e capaz
tem sido
o meu fazer cômodo
de homem comum.
Talvez meus trinta anos biológicos
têm-me mantido
absorto e incapaz.
Sentir-se velho é uma opção caduca.
Olhar as coisas
é inferir e sentir-se deus.
Meu olhar incomoda a nova ordem mundial.

Os dentes cariados
o  pigarro
os pêlos maltratados nas axilas
o prurido nos genitais
a semente guardada para o próximo ano
a data circulada no calendário
o documento formatado e zipado
a lata amassada no meio da rua
o caixa eletrônico
o cheiro forte dos esgotos
o quântum
a constelação de Órion
tudo é captado pelas minhas retinas
de trinta anos.
Sou um deus de trinta anos e algumas horas
não precisas.
Sou um deus não criador, mas observador.
                                                                  
   Tudo está sob o meu jugo ocular 
   até mesmo uma simples noite
   vista de uma janela
   feia e suja.

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