Nota: Escrevi esta crônica em 1 de dezembro de 2017 e postei-a no perfil de minha amiga, Vagna Lima, no Facebook. Aqui eu a publico novamente, com algumas adaptações.
Era toda sorriso, o riso das morenas sertanejas brasileiras. Sob as lentes escuras dos óculos, Lisboa ficava mais plúmbea, mas lhe cristalizava dentro de si o ser mulher do início do século digital. Vagna, a brasileira, percebia-se mais independente, uma independência conquistada não só por palavras e teorias, era uma peleja que vinha desde os tempos de menina correndo sobre o barro batido, cabelo desgrenhado levantado pelo vento quente do interior sobralense. Tempo em que as noites e as madrugadas tinham cheiro de celulose; um pai que lhe ensinara a lutar pelos direitos; uma mãe que sabia ser mãe, juntando os filhos abaixo das asas e com a qual eles aprenderam o princípio da unidade, feito capotes valentes nos terreiros do Recreio. Agora ela estava ali na Estação Oriente esperando Patrícia Valéria, uma das irmãs de alma. Ali era a realidade sobre a pele, aquele frio era de verdade, o encanto tinha aroma de vinho, a metafísica de Pessoa, as tramas de Eça e uma sonoplastia de fados trazida sinuosamente pelos vilarejos medievais. Estar ali não era troféu meritório, dada à enorme missão após o que viera fazer lá.
Distante dali havia um Brasil que se imbecializava e que se primitivizava em tribunais midiáticos, um povo tangenciado à ignomínia, levado como gado aos currais sob gritos e aboios de discursos eleitoreiros. Distante dali havia um mar de hipocrisia lecionado nas igrejas contaminando as salas-de-jantar em vagas turbulentas e sombrias.
Estar ali era ter ciência do selvagem capitalismo que afundou a Europa e que posava de personagem de sucesso na possível reviravolta acadêmica sobre o socialismo. Estar ali era sintetizar a crítica de Gramsci com o relativismo de Gardner; era sobrepor, sob fundamentos arrasadores, uma visão da realidade dos dominados massacrados pelo poder dos dominadores, poder camuflado no carrossel lúdico e reformista da Educação. Estar ali era festejar o feminino contrariando personagens caricatas de mulheres que a história luso-brasileira fê-las atravessar o Atlântico em tempos colonialistas. Estar ali era ser Vagna, receber posts no Facebook e no Instagram de amigas do Brasil com emoticons de positividade, Snoopy mandando beijinhos e o clichê de "poderosa"; das amigas da Europa uma voz dizendo "Lhe espero em Estocolmo?" , outra expondo "Vem pra Suécia?"...
O vento sopra e o cheiro do Acaraú e das barragens do Recreio dão lugar à brisa do Tejo. A moça retira os óculos e corre para abraçar Patrícia que acaba de chegar à estação.
Estar ali era ter ciência do selvagem capitalismo que afundou a Europa e que posava de personagem de sucesso na possível reviravolta acadêmica sobre o socialismo. Estar ali era sintetizar a crítica de Gramsci com o relativismo de Gardner; era sobrepor, sob fundamentos arrasadores, uma visão da realidade dos dominados massacrados pelo poder dos dominadores, poder camuflado no carrossel lúdico e reformista da Educação. Estar ali era festejar o feminino contrariando personagens caricatas de mulheres que a história luso-brasileira fê-las atravessar o Atlântico em tempos colonialistas. Estar ali era ser Vagna, receber posts no Facebook e no Instagram de amigas do Brasil com emoticons de positividade, Snoopy mandando beijinhos e o clichê de "poderosa"; das amigas da Europa uma voz dizendo "Lhe espero em Estocolmo?" , outra expondo "Vem pra Suécia?"...
O vento sopra e o cheiro do Acaraú e das barragens do Recreio dão lugar à brisa do Tejo. A moça retira os óculos e corre para abraçar Patrícia que acaba de chegar à estação.
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