Ocaso

Com este poema ganhei o 3.º lugar no Prêmio Domingos Olímpio de Literatura (abrangência estadual), em 1999. Está publicado na antologia literária que tem o mesmo nome do prêmio.





Antes que o sol se ponha
detrás daquelas torres de ferro
resta-nos o confissão
ao amor;
resta-nos o calor
dos corpos
e bem muito do olhar.

Antes que nos caia o cabelo
e os dentes não se sustentem
nas gengivas,
elaboremos
nosso código lingüístico
em que todas as palavras
tenham origem
na palavra amor.

Antes que a fumaça
ultrapasse as vidraças
e o sol vire uma lenda primitiva
cantemos
cantigas de roda ou
pintaremos quadros
nas montanhas da China;
vale também
contar historias nos terreiros do sertão brasileiro
ou mesmo tomar banho de chuva
nas calçadas do mundo.

Antes mesmo que o gene
da idiotia se espalhe em pandemia;
antes que o pensamento
se torne desfile em passarelas;
antes que o argumento
torne-se tautologias...
cuidaremos
da historia, da nossa história.
Da história das mulheres
dos índios
dos negros
dos judeus
das crianças
dos velhos
dos tibetanos
das velhas árvores
dos velhos animais
dos gelos e das famílias
que vivem no gelo
das praças e das crianças
que vivem nas praças
do sexo e daqueles
que vivem do sexo
da arte e dos que vivem.
E que, jamais,
deixaremos de cuidar
dos sonhos, pois deles vivemos.

Antes que chegue a noite,
a grande noite escura,
acendamos nossas velas
e caminhemos lado a lado
de rostos pintados
com versos nos lábios
e bandeiras em punho.
Vigiaremos sobre as hidrelétricas
sobre a torre de Pisa
sobre o Corcovado
sobre o Big Ben
sobre a ponte arruinada do Danúbio
sobre o arruinado Taj Mahal
sobre o Himalaia
sobre a Eiffel
sobre os Andes
sobre as sequóias
sobre os vulcões
sobre os satélites
sobre o mundo
e sobre o sol.

E quando o sol, realmente,
se puser por detrás, daquelas torres de ferro
beijaremos infinitamente
a quem amamos

e faremos amor ali mesmo.

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